quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Ana Teixeira - Outra Identidade


Essa ação foi realizada de duas maneiras diferentes.  Em 2003, no Viaduto do Chá e na Avenida Paulista, em São Paulo, numa banca como a dos camelôs, a artista propunha aos transeuntes a aquisição de uma “Outra Identidade”: Cédulas de identificação como as habitualmente usadas no Brasil, sem nome, número ou foto e com frases. 
Um homem-sanduíche caminhava ao lado apregoando: “TROQUE SUA IDENTIDADE”.
Em troca de uma outra identidade o transeunte deixava para a artista uma foto de sua nuca e sua impressão digital, com as quais foram confeccionadas novas cédulas, expostas na Galeria Vermelho em São Paulo, durante a exposição Vizinhos, em 2004.
A partir de 2005 um carrinho passou a ser usado no lugar da banca.
Foram também utilizados carimbos com as frases, com a intenção de ampliar a escolha das pessoas.
Nessa configuração o transeunte deixa sua digital tanto na cédula que ele leva consigo, quanto em um caderno de capa dura, um arquivo da artista, onde também é registrada a frase escolhida.
Entre 2003 e 2010 foram distribuídas mais de 800 "Outras Identidades".
Ana Teixeira



A intervenção urbana de Ana Teixeira ecoa uma preocupação que ronda outra Ana (Miranda): “pretender melhoramentos materiais antes dos morais e intelectuais é querer que os efeitos precedam as causas". Outra Identidade é uma obra intelectualmente sofisticada e a artista é firme na certeza de poder oferecê-la a quem convive com absoluta carência material. Pode-se escolher entre nove modelos de carteira de identidade. No lugar do nome, uma frase. Em troca, deixar-se fotografar de costas, e imprimir sua digital num cartão que fica com a artista. Fica com ela também a pergunta de muitos participantes: qual a finalidade disso?
Amo e não basta.
Um aspecto importante das intervenções de Ana Teixeira é um absoluto respeito pelo participador, interesse por seus desejos (Recanto para desejos adormecidos), suas histórias de amor (Escuto Histórias de Amor e Vende-se Amor: R$0,10), por seus sonhos (Troco Sonhos).  Em Outra Identidade, as maçãs e os petiscos não estão mais presentes, sugerindo que a sedução dessas obras não é material e sim filosófic a. 
 
Agora tanto faz. 
A palavra ARTE não sai fácil da boca da artista. Para a polícia, Ana explica que, apesar da barraca de camelô - que serve de suporte para a almofada de tinta usada na impressão das digitais, papel para limpar o dedo e uma caixa com as réplicas de carteiras de identidade - não está vendendo nada, apenas trocando a identidade das pessoas que passam pelo Viaduto do Chá ou pela Av. Paulista. Para os participantes incomodados com a inutilidade legal do novo documento, ela observa que na VIDA nem tudo precisa servir para alguma coisa.    
 
Não tenho certezas.
Engana-se quem considera a obra inacessível para os transeuntes do centro de São Paulo. A obra ilustra uma idéia que Ana preza: o discurso da indiferença. Não segmentar, não classificar, não dividir em tribos ou em guetos. Não respeitar a diferença, mas, privilegiando a indiferença, oferecer a todos o mesmo tratamento e as mesmas idéias. As fotos  3 x 4, das nucas e não dos rostos, neutralizam símbolos de diferença.
 
Eu me deixo contaminar pela tristeza. Queria menos de mim às vezes.
As frases precisam ser lidas em voz alta pois parte dos participantes não lê. A ingenuidade de tantos - que perguntam se podem usar aquele documento para outras coisas - chega a doer. A firmeza da artista em não ceder a explicações simplistas parece, a princípio, cruel.
 
 
Tenho sonhos.
Mas é colocar em prática a idéia de igualdade. 
 
Não sei de nada nem de mim.
E o trabalho propõe outra questão de identidade: diante da tragédia social brasileira, qual o papel do artista? 
 
Sou uma parte inevitável de mim.
Na onda de internacionalização da arte, são raras as obras que mostram o que deveria ser óbvio: o artista brasileiro não pode escapar da realidade que dorme na calçada da galeria. 
 
Ainda tenho tempo.
A discussão da identidade da arte em face às condições sociais brasileiras já foi levada às ruas por frases mais combativas: Incorporo a revolta. Da adversidade vivemos. Temos fome.  Ana acorda a questão com frases suaves, confiando na necessidade de arte na vida do transeunte que, cúmplice, deixa na obra uma impressão digital.

Paula Braga, agosto/2003.











ARTE CONTEMPORÂNEA
São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2005

Vendedora achou que obra era golpe

Instalação provoca mal-entendido e artista plástica é detida em SP
LUCIANA PAREJA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Arte contemporânea nem sempre é bem-compreendida. A artista plástica Ana Teixeira, 47, por exemplo, foi parar no 5º DP ontem à tarde, quando fazia uma intervenção pública na feirinha do Bexiga (região central de São Paulo), realizada semanalmente numa praça na rua Treze de Maio.
Na sua bancada móvel, identificada com o nome do trabalho, "Outra Identidade", a artista fazia réplicas de carteiras de identidade, nas quais o "identificado" pode escolher uma entre dez frases, como "ainda tenho tempo" e "não tenho certezas", para ser carimbada no papel, no lugar em que normalmente figura o nome e o número do registro geral.
"A idéia é identificar a pessoa não pelo nome ou por um número, mas por frases que exprimam um pouco do que ela é", diz Teixeira, que já havia realizado a ação outras vezes.
As pessoas levam para casa a "outra identidade" e deixam a impressão digital do polegar gravada em um caderninho, que a artista expõe posteriormente como resultado de seu trabalho. A confusão começou aí.
"Uma senhora que trabalha na feirinha não quis fazer a identidade e começou a dizer que o pessoal era louco de colocar a digital no caderno, que eles não sabiam que uso eu faria daquilo", diz Teixeira. Não é feita identificação do dono da impressão digital no caderno, só há a marca de vários polegares indistintos e a inscrição "Outra Identidade" na capa.
As pessoas, temendo serem vítimas de um golpe, reclamaram no posto da Guarda Civil Municipal instalado na praça, segundo a artista, que foi levada ao 5º Distrito Policial para averiguação.
"Não houve crime, foi só um mal-entendido, é um trabalho de finalidade artística perfeitamente plausível", explica o delegado do 5º DP João Achem Jr. Tanto que Teixeira foi liberada em cerca de 15 minutos.
"O que me impressionou foi a lógica do capital que rege a cabeça das pessoas. Todo mundo ficava me perguntando como eu estava fazendo aquilo sem ganhar nada, sem pedir pagamento. Alguém disse que, se pelo menos eu fosse patrocinada por alguma grande empresa, poderia acreditar em mim, mas como eu não visava nenhum lucro, devia estar com "armação'", afirma Teixeira.

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